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quarta-feira, 3 de março de 2010

CONGRESSO DOS VENTOS - Joaquim Cardozo (1897 - 1978)

Estimados, deixo pra vocês, uma das poesias brasileiras mais bonitas, escrita por Joaquim Cardozo, este pernambucano que ajudou na construção de Brasília, através dos seus cálculos matemáticos. Aproveito pra homenagear Brasília,nossa capital, e minha cidade, Natal, uma cidade dos ventos.

CONGRESSO DOS VENTOS

Na várzea extensa do Capibaribe, em pleno mês de agosto
Reuniram-se em congresso todos os ventos do mundo;
Àquela planície clara, feita de luz aberta na luz e de amplidão cingida,
Onde o grande céu se encurva sobre verdes e verdes, sobre lentos telhados,
Chegaram os mais famosos, os mais ilustres ventos da Terra:
– Mistral, com seus cabelos de agulha, e os seus frios de dedos finos,
– Simum, com arrepiadas, severas e longas barbas de areia quente,
– Harmatã, em fúrias gloriosas e torvelinhos, trazidos da Costa da Guiné,
Representante das margens do Nilo credenciou-se Cansim,
E Garbino, enviado das praias catalãs.
Vieram as Monções das margens do Oceano Índico,
Os ventos da Tundra siberiana vieram. . .
E os Alísios desceram do Equador, clandestinos,
Num grande transatlântico.
Chegaram ainda os ventos da América:
– Barinez, respirando doçuras de rios azuis, afluentes do Orenoco,
– Pampeiro, eremita e solidão de horizontes sub-andinos,
– Minuano, assobiando longamente a tristeza ritmada das coxilhas..
Também os ventos nordestinos se acharam presentes:
O Nordeste e o Sudeste; os ventos Banzeiros,
O Aracati das praias cearenses,
O vento Terral, velho boêmio das madrugadas.
Ventos, muitos e todos, ventos de todos os desertos,
De tempestades selvagens, de escuramente outonos. . .
Nesse congresso em tantas veemências se afirmaram
Quanto em glória e rebeldia se exprimiram. . .
Com açoites e eloqüentes rajadas falou Harmatã;
Com citações de Esopo e de La Fontaine
Comparou as vantagens da energia do sol e a do vento,
Descreveu com minúcia os modernos fornos solares
E admitiu o emprego futuro de ventos magnéticos.
Depois que Cansim relembrou o seu feito guerreiro
Envolvendo em altas nuvens de areia as legiões do rei Cambises
– Isto, há mais de dois mil anos –
Garbino repetiu com sopros noturnos e vagarosos
A velha história do abandono e desprezo dos ventos
Agora, solitários, vagando por todos os quadrantes.
A assembléia inteira levantou-se amotinada;
Um vendaval sem freio, um furacão,
Percorreu aquelas instâncias de planície tranqüila;
Uma onda de revolta se ergueu contra os motores,
Contra os ventiladores e os túneis de vento.
Mas apesar daquele tumultuoso debater de línguas meteóricas
Podia-se ouvir muito bem a voz lamentosa do Nordeste:
– Eu que, há trezentos anos, desembarquei das velas do almirante Loncq
Na praia de Pau Amarelo,
Que tremulei nas flâmulas e nas bandeiras das naus de D. Antônio de Oquendo
Aqui estou, nesta várzea, reduzido a professor de meninos:
Hoje vivo ensinando a empinar papagaios. . .
Voltando a calma, em alentos de aragens murmuradas,
Terral contou como ajudava as plantas nos amores:
– Levando nas dobras do seu manto o pólen das anteras,
Velivolvendo e suspirando entre ramagens.
Por fim, sucederam-se festas, danças de roda. . .
Músicas e cantos de longes mares tempestuosos,
Rodopios, volteios, caprichos, remoinhos, piões e parafusos. . .
– Com sestros de capoeira exibiram-se o vento Banzeiro e o Sulão.
Barinez leu uma mensagem de Romulo Gallegos,
Minuano disse um poema de Augusto Meyer.
E já pelos dias finais daquele mês todos partiram. . .
Erguendo o seu vôo sobre as nuvens varzinas
Regressaram, um após outro,
Para as noites e as tormentas das suas terras natais.
O último que se pôs a caminho foi o vento Aracati:
– Cortou uns talos de chuva
Com eles fez uma flauta
E se foi, tocando e dançando,
E se foi pela estrada de Goiana.

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