Estou observando os atuais acontecimentos na área de saúde mental com um olhar diferente. Vejo hoje a coisa com uma visão mais técnica, uma avaliação do comportamento das pessoas quando em grupo, quando em posse do poder, e sua contumaz necessidade de proferir verdades (muitas vezes ditas como absolutas).
Parece-me agora, que a situação está mais crítica, e segundo pensadores de mesa de bar, a expressão “nada está tão ruim, que não possa piorar”, caiu como uma luva no cenário do momento.
Fico vendo os fatos. Fecharam o Hospital-dia. Alegação que não podia de jeito nenhum funcionar ali, no ambiente do hospital psiquiátrico, a Lei de Deus e do Homem não permitia, quase uma heresia, um sacrilégio, que se continuasse, Zeus, com sua ira terrível, lançaria raios do Olimpo e mataria todos, sem precisar de eletrochoque, pois estes já viriam com eletricidade do céu mesmo.
Depois, uma cruzada contra os ambulatórios. Chamados de “fábrica de produzir doidos” por alguns estudiosos catedráticos pós-graduados, dotados de imensa inteligência e educação familiar, atuando também como professores de etiqueta.
Em seguida, foi dito também que psiquiatra, essa figura imprestável, não sabia atender urgência psiquiátrica (mesmo assim querem psiquiatra para o SAMU !?). E ainda, o de sempre: que os CAPS são polivalentes, centros dotados de atender alta complexidade, que temos uma rede de saúde muito boa, que o PSF funciona que é uma beleza, que é necessário diminuir os leitos psiquiátricos, e que a Reforma Psiquiátrica resolverá todos, todos os seus problemas. Um dobrado já escutado muitas vezes.
Mas vamos ao que (nos) interessa. Nos meses passados, o Exército de Brancaleone, teve aqui em Natal, uma versão tupiniquim, na verdade uma versão Papa-Jerimum. Numa missão quixotesca, o moinho da vez, foi a Clínica Santa Maria, tida como um monstro terrível, um manicômio. Os componentes trataram logo de discursar a respeito com alegações de fazer inveja a Cervantes. Aliás, os soldados deste grupo são figuras interessantes, e aqui que eu observo com mais calma.
O romantismo, sem dúvida, é a tutela do Exército de Brancaleone Papa-Jerimum. O que é feio é pra acabar. Pensamento simples. É assim mesmo. Muito bom seria se as doenças não existissem, que os surtos fossem com uma agitação poética, sem agressividades, que os pacientes não tivessem suas funções fisiológicas atingidas e que sua sexualidade fosse escondida. Ninguém poderia gritar, porque não pode, e em 72 horas tudo passaria, sem problemas. A perversidade também não existe. Aliás, uma pequena reflexão: O quanto é mais perverso? Assistir ruim ou não ajudar?
Será que as pessoas são realmente capazes de suportar o que é feio, ruim, aversivo, duro, cruel e desolador, como o transtorno mental é, sem tomar atitudes emocionadas e agindo com precipitação?
Talvez, alguém, na hora da marcha, não poderia ter pensado: “vamos melhorar isso, organizar este espaço, encontrar recursos, como fazemos com o programa DST/AIDS, como arranjamos pras hemodiálises, como seguramos as quimioterapias, como pagamos melhor as neurocirurgias, como compramos mais ambulâncias, mais ambulâncias, mais ambulâncias, mais ambulâ... mais ambu, mais ânsias...mais...”
Comicamente vi (lendo os jornais locais), que foi necessário fazer uma avaliação sobre o “impacto” do descredenciamento de 100 leitos, quase 15 % do total de leitos do Estado. Estavam esperando o quê? Um adormecimento dos problemas? Um estacionamento dos sintomas? Ou uma calmaria no meio da tempestade, onde o exército de Brancaleone Papa-Jerimum, iria atravessar, como Moisés fez no Mar Vermelho, aqui um Vermelho bem conhecido nosso.
Assim o levante segue, com a tropa unida, partindo não se sabe pra onde. Sempre tem um lugarzinho pra quem quiser trotar junto, ainda mais se tiver uma indicação, um parentesco, uma patente que seja. Autoridade é autoridade. Sentido! Marche!
Gustavo Xavier é médico, e com alegria, ajuda as pessoas como psiquiatra.